domingo, 15 de março de 2015

Sem abandonar o terror das histórias clássicas, Alan Moore fez de Monstro do Pântano clássico instantâneo


É mesmo uma pena ver que um personagem como o Monstro do Pântano, com todo seu potencial e história, tão pouco aproveitado assim, tendo, inclusive, sua revista recentemente ido para a vala comum dos cancelamentos. Esse também seria o destino de A Saga do Monstro do Pântano em 1984 se quase desconhecido chamado Alan Moore não tivesse assumido os roteiros, que até então estavam nas mãos de Martin Pasko. A troca de roteiristas seria a última desesperada jogada afim de resgatar o título, tanto é assim que o editor (e também criador do personagem ao lado de Martin Wolfman), Len Wein, aceitou a exigência do jovem Moore de liberdade total para as suas ideias.

Funcionou. Logo na primeira edição (#20) sob o comando do roteirista inglês já vemos a qualidade narrativa da obra, embora ela tenha servido apenas para fechar todas as histórias que vinham se desenrolando nas edições anteriores. Decisão mais acertada foi manter os artistas, que também tinha sido outra das exigências de Moore. Stephen Bissete e John Totleben souberam dar vazão ao tom mais solene e trágico que dominou a revista. Alguns experimentalismos, apesar de pontuais, também aumentou a qualidade da obra.

Na edição seguinte (#21), temos um clássico da nona arte. A Lição de Anatomia é simplesmente fabulosa, uma daquelas histórias que fica em nossa mente muito tempo depois de lida e que corrobora a tese de que os quadrinhos fornecem recursos quase ilimitados de expressão. A começar pela narração inicial:

"Chove em Washington esta noite. Pingos graúdos e mornos de verão pintam manchas de onça nas calçadas. No Centro, velhas senhoras correm às sacadas carregando vasos de plantas como se fossem parentes doentes ou filhos únicos."

A partir daí todas as bases sobre as quais o personagem Monstro do Pântano estava assentadas sofrem reformulação. A mais impactante delas foi fazer que o Monstro deixasse de ser Alec Holland após as consequências do acidente em seu laboratório. Depois da anatomia feita pelo Homem Florônico (antigo vilão da DC, conhecido também por ser o criador de Hera-Venenosa) no corpo do Monstro, ele descobriu que a consciência de Alec havia sido absorvida pelo pântano após o acidente. O pântano, então alterado pela fórmula biorrestauradora em que Alec trabalhava, teria absorvido os seus restos mortais e, por extensão, sua consciência. O Monstro do Pântano, portanto, não seria outra coisa além do próprio pântano achando que era Alec Holland, que na verdade estava morto.

Embora não tenha havido uma quebra de continuidade abrupta (tanto que personagens como Abigail e Matt Cable permaneceram), Moore reinventou a série, construindo praticamente do zero uma das fascinantes mitologias dos quadrinhos: a do monstro atormentado por uma humanidade que lhe é estranha, da qual nunca fez parte, mas que não para de o influenciar. Tão planta quanto sempre foi, mas agora também irremediavelmente humano.

Por fim, vale mencionar que a tão criticada escolha da Panini de usar o papel pisa brite na coleção não me atrapalhou em nada. Na verdade, até achei melhor, pois o "papel jornal" me remete às lembranças das ótima histórias de terror dos anos 70 (das quais o Monstro do Pântano deriva diretamente). Parece que histórias de terror como essa foram feitas especificamente para esse tipo de papel, de forma que um papel mais nobre desnaturaria um pouco impacto da arte. Seria como ver um filme de terror de luz acesa.

A Saga do Monstro do Pântano - Livro Um
The Saga of Swamp Thing #20-27
***** 10
DC | janeiro a agosto de 1984
Panini | abril de 2014
Roteiro: Alan Moore
Arte: Stephen Bissete e John Totleben
Cores: Tatjana Wood

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