domingo, 28 de junho de 2015

Cinder e Ashe expõe ferida aberta pela Guerra do Vietnã

Cinder e Ashe, Gerry Conway, José Luis Garcia López

Ano passado a DC gringa compilou pela primeira vez em encadernado a minissérie Cinder e Ashe que pintou por aqui naquelas famosas minisséries de luxo que a Abril no final dos anos 80. Sob o subtítulo "Investigação Caso Starger", a edição brasileira não mencionava na capa que a minissérie de quatro edições era de autoria dos lendários Gerry Conway e José Luis García-López. Lançada em 1988, Cinder e Ashe integra aquela fase editorial da DC pré-Vertigo, época em que eles investiam, geralmente com sucesso, em histórias adultas, bem longe da temática de super-heróis.

Apesar da história ter toda a pinta que daria origem a uma revista regular, Cinder e Ashe se limitou mesmo a uma única minissérie. Nela, conhecemos a dupla de investigadores (ou como eles preferem, "peritos de controle de danos") durante a investigação do sequestro de uma garota. Cinder é uma imigrante do Vietnã após ser resgatada por Cinder, soldado que lutava durante a guerra que os EUA travou naquele país. A trama se passa em Nova Orleans, uma cidade marcada ainda profundamente marcada pelos reflexos da Guerra de Secessão e pela profunda miscigenação culturas de seu povo, composto por uma mistura de traços da cultura americana, francesa e africana.

Esse contexto social é apenas tratado tangencialmente. Conway preferiu investir nos reflexos vindos da participação americana na Guerra do Vietnã, com toda a irracionalidade que acompanha essa espécie de conflito, em que a população nativa é maior prejudicada. A trágica participação americana no conflito ainda era bastante sentida na época, por isso parece que Conway buscava um modo de assimilar as sequelas do conflito na alma dos americanos. A história toda esta cheia de simbolismos que corroboram a intenção do roteirista de passar a limpo as lições vindas da guerra, principalmente no final, quando o tom otimista para o futuro predomina sobre o período sombrio que o precedeu.

Conway foi também bastante habilidoso ao montar seu storyboard, ao passo que as lembranças da guerra caminham pari passu com o relato do presente. Há momentos em que a passagem do presente pro passado, e vice-versa, quase não é notada. Com isso, o roteirista deixou bastante claro ao leitor o quanto o passado pode se repetir no presente, e que podemos também mudá-lo. Não se trata exatamente se uma história sobre segundas-chances, antes disso fala sobre como o passado pode obscurecer o presente, mais exatamente sobre cicatrizes abertas. Enfim, não é um mote especialmente original, mas Conway construir uma boa trama.

Mas pra mim o que se destacou mesmo é a arte de García-López. Ela concilia uma elegância e expressividade de uma forma que é difícil de se ver hoje em dia. Seus personagens possuem identidades visuais bastaste sólidas, que não se alteram nem se deterioram ao longo da história. O artista argentino estava no auge tanto de sua expressividade artística quanto de sua fama. É uma pena mesmo que, nos anos que se seguiram, sua arte começou a ser tida por muitos como ultrapassada. Hoje em dia, ele continua desenhando, mas apenas algumas edições especiais e capas variantes.

Cinder e Ashe
Cinder e Ashe #1-4
**** 8,0
DC Comics | maio a agosto de 1988
Roteiro: Gerry Conway
Arte: José Luis García-López
Cores: Joe Orlando

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