domingo, 19 de julho de 2015

Clássico dos quadrinhos modernos, Mazzucchelli alcançou a excelência em "Asterios Polyp"


Asterios Polyp é uma graphic-novel lançada em 2009 pela Pantheon Books e em 2011, no Brasil pela Quadrinhos na Cia. Ganhadora de vários prêmios Eisner e Harvey, inclusive de "Melhor Graphic-Novel" e "Melhor Escritor", o álbum é o trabalho da vida de Mazzucchelli (desenhista dos clássicos Demolidor: O Homem Sem Medo e Batman: Ano Um), demandando 10 anos de trabalho árduo. Ele é responsável por tudo aqui: argumento, desenhos, arte-final e cores. O resultado é uma obra tecnicamente irrepreensível e artisticamente inspirada. Uma obra-prima instantânea.

A obra acompanha a trajetória de Asterios Polyp, arquiteto de renome dentro do meio acadêmico, cujos trabalhos teóricos e prêmios o credenciaram a se tornar professor catedrático de uma prestigiada universidade no interior dos EUA. No seu aniversário de 50 anos, somos apresentado a um Polyp depressivo e solitário e que, durante uma tempestade, tem seu apartamento incendiado por um raio. Ele então decide ir para o lugar mais distante que o dinheiro em seu bolso permitir, na esperança de começar uma vida nova.

Usando de conceitos gráficos muito pouco explorados, Mazzucchelli foi extremamente inventivo no que tange ao contar sua história, sobretudo no que tange a diagramação de página. O modelo clássico de justaposição de quadrinhos é aqui relativizado, sendo comum a utilização de quadros abertos cheios de conteúdo sem uma aparente divisão. As metáforas visuais são usadas aqui com frequência. O que poderia ser interpretado normalmente uma arte tosca e primária, aqui é claramente utilizado como um recurso visual excelente, muito bem relacionado com a trama em si. Por exemplo, nas passagens em que Asterios está em conflito, seu desenho ganha uma forma tétrica e transparente. Durante a obra, diversas abstrações são realizadas como recurso narrativo.

As cores também cumprem um papel muito importante na obra. Apesar de monocromática em sua maior parte, a narrativa se apoia bastante na cor, enchendo-a de significado. É bastante clara a sua função nas cena de discussão entre Asterios e Hana, contudo há inserções mais sutis, mas tão decisivas para a compreensão quanto àquelas. As cenas do passado são de tom mais azulado, as do presente ganharam tons amarelados e às passagens oníricas tem a cor roxa como predominante.

Durante a leitura da obra é preciso ficar atento à narrativa gráfica e ao que ela transparece, bem como aos seus diálogos, pois se trata de um todo coeso que se inter-relaciona, não podendo um ser apartado do outro. Ainda assim, Mazzucchelli nos concede diversos níveis de leitura, desde a mais superficial quanto àquela mais detalhada e ligada às sutilezas. E elas são inúmeras, fazendo que uma segunda leitura da obra seja mais do que recomendada para a apreensão satisfatória do enredo.

Não é somente a parte técnica que impressiona, a história criada por Mazzucchelli é envolvente e bastante reflexiva. Não há como o leitor não se envolver com a trajetória de Polyp, que apesar de cheio de defeitos e vícios, chega a ser bastante carismático, sobretudo enquanto se relaciona com Hana (o seu oposto imediato).

No fim, percebemos que chegamos ao fim de uma viagem em que discutiu-se diversos temas importantes, (como família, arte, relacionamento, vida social/individual etc.) sem, de forma alguma, chatear o leitor ou parecer pedante. Não há garantia de que o final agradará a todos, contudo não há que se discutir que ele se casou muito bem com o que a trama apresentou até então.

Asterios Polyp
***** 10
Pantheon Books | julho de 2009
Quadrinhos na Cia. | outubro de 2011
Roteiro e Arte: David Mazzucchelli

domingo, 12 de julho de 2015

Nova revista de Constantine revela que a DC ainda busca o tom certo para o personagem


E a DC vai tentar emplacar de novo Constantine dentro de universo regular. Depois da sua revista solo, lançada logo após a saída do personagem da Vertigo, ter fracassado tanto nas vendas quanto na crítica. Essa nova revista é comandada por uma equipe criativa pouco conhecida, com a exceção, talvez, de James Tynion IV que co-roteirizou algumas histórias em Batman e Batman Eterno. Na edição de estreia, que vem na esteira da reformulação editorial da DC pós-Convergence, vemos um Constantine bem jovem, mas que demonstra já ter uma reputação de longa data dentro da magia. Isso parece contraditório, já que um personagem tão jovem assim dificilmente teria a "quilometragem" que ele aparenta ter. 

Por isso é evidente que não se trata de um reboot do personagem. Isso fica bem claro logo nas primeiras páginas, quando diversos fantasmas de amigos dele que passaram dessa pra melhor não saem do seu pé, atormentando-o por ele ter sido traíra e causado as suas mortes. Uma cena que não é nada original, a propósito. Na Hellblazer da Vertigo, já vimos muitas vezes Constantine ser perseguido pelos fantasmas de pessoas queridas. 

Além do mais, uma das almas penadas com quem Constantine interage nessa primeira edição é Gaz, um dos integrantes da finada Membrana Mucosa, banda de punk rock que o mago inglês integrava antes de desbancar para magia. Essa história, bastante perturbadora (diga-se de passagem) foi contada em Hellblazer #11 – Newcastle – Um Gostinho do Que Está por Vir, escrita por Jamie Delano e com o lápis de Richard Piers Reyner. Outro membro da banda, Frank, também terá participação na série, uma vez que o gancho para a edição #2 dá conta que seu espírito virou pó. 

Dessa forma, já dá pra perceber que a proposta editorial dessa nova revista é continuar as aventuras que foram interrompidas na edição #300 na Vertigo com um uma pegada um pouco mais madura do que vinha sendo dada até agora no selo DC, com direito a cenas de sexo. Trata-se de um sentimento contraditório o que me pegou aqui: se por um lado é ruim ter deixado Constantine assim tão jovem, por outro é promissor manter elementos da revista clássica, o que dá crédito para a proposta de dar mais autonomia aos autores para fazer histórias mais maduras, mesmo que fora da tarja “sugerida para leitores maduros”. 

A história? Bem, ela realmente lembra em algumas passagens a fase clássica, principalmente os diálogos ágeis e espirituosos que viraram uma marca sua, passando uma autenticidade que não se via na segunda série do personagem, onde o personagem parecia um falastrão de uma sitcom qualquer. A edição #1 é promissora e não me fez querer abandonar a revista ao seu final. Cabe-nos esperar as próximas edições.

Constantine: The Hellblazer #1
**** 7,0
DC | junho de 2015
Roteiro: Ming Doyle e James Tynion IV
Arte: Riley Rossmo
Cores: Ivan Plascensia

domingo, 5 de julho de 2015

Segunda série da revista do Demolidor começa com trama pretensiosa

Coleção Oficial de Graphic Novels Marvel - Salvat

Os anos 90 foram terríveis para a Marvel. Durante a década ela enfrentou a pior crise de sua história, que quase a levou a falência. Os motivos para a derrocada da editora são diversos, mas convencionalmente reputam a bolha especulativa dos comics que ocorreu durante aqueles anos como o principal motivo. Maiores detalhes sobre a história pode ser conferidos no livro Marvel - A História Secreta, de Sean Howe. Para se salvar desse buraco, a Marvel implementou uma série de medidas para capitalizar, sendo que a mais famosa delas foi vender os direitos de adaptação cinematográfica de seus personagens para diversos estúdios. Outra dessas medidas, foi a criação de novos selos e linhas editoriais especiais, de modo alcançar um público mais amplo e renovar os leitores.

O selo Marvel Knights, ao lado da linha Ultimate, foi o destaque dessa nova fase da editora. E deu muito certo. Começando por quatro títulos (Pantera Negra, Inumanos, Justiceiro e Demolidor), a linha editorial logo se estendeu às demais revistas da editora. Essa bem sucedida estratégia se deve, em grande parte, ao gênio de Joe Quesada, que além de comandar o editorial do selo através de sua empresa (Event Comics), também integrou a equipe criativa de sua principal revista: Demolidor.

Coube à Kevin Smith (então famoso pelo sucesso de sua primeira empreitada cinematográfica com Clerks) o roteiro do primeiro arco desse relauch da revista Homem Sem Medo. A revista, bem como a iniciativa como um todo, foi um grande sucesso, catapultando a carreira de Quesada dos desenhos direto para o editorial da Casa das Ideias.

De fato, o sucesso comercial da estratégia é incontestável, muito embora a qualidade da obra inaugural do selo Marvel Knights, Demolidor - Diabo da Guarda, não tenha envelhecido bem e hoje seja uma história bastante inferior à gloriosa trajetória do herói nos comics, composto por histórias diferenciadas e adultas. Dificilmente Kevin Smith se encaixará dentro da galeria dos melhores roteiristas que passaram pela revista, composta por nomes de peso como Frank Miller, Ed Brubaker e Mark Waid. O mesmo pode se falar dos desenhos de Joe Quesada que, embora tenha seus apreciadores, peca pela simplicidade e dependência da arte-finalização do ótimo Jimmy Palmiotti.

O Diabo da Guarda é uma história bastante pretensiosa, busca explorar o passado de Matt Murdock, sua religiosidade, sua vida amorosa desastrada, seu passado com o Rei do Crime, enfim, diversas facetas da complexa identidade do herói. Essa megalomania de Kevin Smith foi seu fracasso. Ele não soube alinhavar todos esses elementos com coerência e fluidez, deixando a trama capenga, artificial e forçada. O excesso de texto também (que em si não é algo ruim) não ajudou. Enfim, a Salvat provavelmente elencou esse arco em sua coleção de graphic novels mais devido a sua importância dentro da trajetória editorial da revista do que propriamente pela sua qualidade.

Demolidor - Diabo da Guarda
Daredevil (1998) #1-8
*** 6,5
Marvel | novembro de 1998 a junho de 1999
Salvat | abril de 2014
Roteiro: Kevin Smith
Arte: Joe Quesada
Arte-final: Jimmy Palmiotti