domingo, 22 de fevereiro de 2015

"Alex + Ada" aborda relação homem e máquina sob outro prisma


Se você é daqueles que acham que um bom quadrinho deve necessariamente começar por uma boa arte, talvez tenha dificuldades em apreciar Alex + Ada. Mas se você procura uma série bem escrita, sobretudo se você gostar da temática sci-fi, terá tudo para apreciar a mais nova série de Jonathan Luna, dessa vez sem a parceria com seu irmão Joshua, com quem fez para Image séries de sucesso com Girls, Ultra e The Sword. Dessa vez, Jonathan está cuidando sozinho da arte e dividindo os encargos de roteiro com Sarah Vaughn, no primeiro trabalho dela nos quadrinhos mainstream.

Alex + Ada segue bem o estilo dos trabalhos mais conhecidos dos Irmãos Luna, em que o foco é mais o drama em detrimento do gênero ação. Toda a ambientação futurística em que a série se situa é apenas um pano de fundo a história de Alex, um jovem bem-sucedido que sofre de um mal aparentemente bem comum daquela realidade: a solidão. Sem laços fortes com ninguém a não ser sua avó, Alex recebe de presente de aniversário dela um avançado androide de inteligência autônoma chamado Ada. Esses androides são projetados especificamente para servirem de acompanhante, inclusive como parceiros sexuais. 

Não é nenhuma surpresa, pois, descobrir que Alex passará a nutrir sentimentos fortes e verdadeiros por Ada. Porém, como é possível desenvolver uma relação afetiva com uma máquina? A série se concentra nessa peculiar relação entre homem e máquina, mas que em tudo se assemelha a relação homem e mulher. Alex, com sérios problemas de relacionamento, fica perdido em meio a seus sentimentos e preconceitos, ainda mais ao perceber que essas máquinas possuem mais autonomia do que o esperado. A série não demora para descer a desdobramentos ousados e incomuns.

Luna e Vaughn são bastante sutis na condução dos acontecimentos. Há muito silêncio, quadrinhos estáticos, como se a todo tempo Alex refletisse sobre suas atitudes. Luna é bastante convencional no seu layout de página, geralmente compostos por quatro painéis widescreen, e ainda mais conservador em sua arte. Não há atrativo nenhum no seu traço, se atendo exclusivamente ao necessário na composição dos quadros, num visual clean que ficou até apropriado diante de sua concepção de futuro.

Embora Alex + Ada não seja uma série que chame a atenção numa primeira olhada, é bastante autêntica em sua proposta e acaba premiando o leitor que insiste na leitura ao entregar uma abordagem sóbria e diferenciada de um tema já explorado a exaustão tanto nos quadrinhos como em outras mídias.

Alex + Ada - Vol. 1
Alex + Ada #1-5
**** 7,0
Image | julho de 2014
Roteiro: Jonathan Luna e Sarah Vaughn
Arte: Jonathan Luna

domingo, 15 de fevereiro de 2015

"Flashion Beast" foge da crítica fácil sobre o mundo da moda


Malcolm MacLaren foi uma figura controversa. Mais conhecido por ter sido o empresário da icônica Sex Pistols, MacLaren também foi um grande entusiasta de outros tipos de arte, sobretudo a moda. Conduzido por sua então esposa, a estilista Vivienne Westwood, ele teve uma participação bastante ativa no estabelecimento da moda punk, numa época em que o Reino Unido ainda engatinhava tal expressão artística. Em certa altura de sua carreira, num incerto momento entre o final dos anos 80 e início dos anos 90, MacLaren pediu a Alan Moore um roteiro para um filme a partir de um curto argumento de sua autoria. Assim nasceu Fashion Beast.

Conforme o próprio Moore reconheceu no prefácio que acompanha o encadernado da Panini, somente quando a Avatar se interessou em adaptar a história de Fashion Beast é que ele se recordou da sua existência. Mas não coube a Moore a adaptação do roteiro cinematográfico para os quadrinhos, e sim para Antony Johnston (de Umbral e Neonomicon), que, aliás, fez um ótimo trabalho. Assim como o desenhista Fecundo Percio (de Caliban), que soube recriar perfeitamente o ambiente decandente, claustrofóbico e artificial do mundo que Moore quis passar. Isso sem falar em sua habilidade em desenhar e colorir os todos os inventivos figurinos que desfilam pelas páginas, dando mais fidedignidade à história. 

Quanto ao mundo de Fashion Beast, não há qualquer indicação sobre lugar ou período em que a história se passa, sabemos somente que uma guerra de proporções nucleares está acontecendo.  Isso faz a preocupação com moda um coisa ainda mais fútil. Ou será que não? Será mesmo que a moda não tem nada para dizer sobre o mundo em que vivemos? Isso, e diversas outras questões, são abordadas na obra. Primeiramente, vale falar sobre as linhas gerais da obra: Doll é uma "mulher que parece um homem que parece uma mulher" que trabalha no guarda-volumes na boate "Catwalk" até que é demitida. Tentando a sorte numa seleção para a nova modelo da grife do lendário estilista Jean-Claude Celesine, Doll consegue o trabalho, entrando de cabeça no mundo da moda. Celestine fica sempre recluso em sua torre, e sua aparência é um mistério. Sua presença é apenas sentida através de suas roupas.

De início achamos que Moore queria era fazer uma crítica social sobre o mundo da moda, com todo seu glamour, em que a aparência significa tudo. É sobre isso também, e sua exploração da não identificação de gêneros entre os personagens Doll e Jonni (sendo este um "homem que parece uma mulher que parece um homem) comprova isso. Mas vai além, e com isso foge desse lugar comum, uma vez que passo a passo a trama se aprofunda na relação que existe entre o que a moda tem a dizer sobre o contexto social da época. A moda pode representar tanto o espelho quanto o motor da história da humanidade, e o espelho distorcido do ateliê de Celestine é bastante sugestivo quanto a isso.

Como se deve esperar de quadrinhos escritos por grandes roteiristas, não pode o leitor esperar que a primeira leitura possa dar conta de todas as nuances da obra. Infelizmente não se pode dizer que Fashin Beast se tratou do ressurgimento de Alan Moore com uma grande obra, já que se trata de um roteiro antigo. Ainda assim foi um grande prazer ler essa outra preciosidade da obra do "bruxo de Northampton".

Fashion Beast - A Fera da Moda
Fashion Beast #1-10
***** 9,0
Avatar | agosto de 2012 a maio de 2013
Panini | fevereiro de 2014
Roteiro: Alan Moore e Antony Johnston
Arte: Fecundo Percio

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Em "A Última Caçada de Kraven" DeMatteis e Zeck contam uma das aventuras mais sombrias do Homem-Aranha


Como destacou bem o diretor de publicações da Panini Itália, Marco Lupoi, na introdução do Espetacular Homem-Aranha - A Última Caçada de Kraven, da Coleção Graphic Novels Marvel, pode-se considerar a obra como um fruto do momento editorial por qual passava os quadrinhos no final dos anos 80. Momento esse que se convencionou a chamar de "Idade das Trevas", graças ao quadrinho expoente da tendência: O Cavaleiro das Trevas. Frank Miller havia ditado o tom que havia de preponderar nos próximos anos nos quadrinhos de herói, muito embora essa tendência já estivesse presente desde a fase de Neal Adams a frente da revista do Batman.

Aproveitando o momento, J. M. DeMatteis escreveu uma história que há muito tentava emplacar em uma revista de super-herói. Facinava-o a imagem do herói se levantando do túmulo, voltando da morte como uma fênix. A DC já havia vetado a ideia com o Batman durante a fase do escritor a frente do título. Coube então ao Homem-Aranha, após aprovação da Marvel, viver tamanha provação. Ao entorno dessa insistente imagem, DeMatteis criou uma história e tanto, uma das melhores histórias protagonizadas pelo cabeça de teia.

Colocar Kraven obcecado pela caçada suprema, representado pelo Homem-Aranha, a única caça que ele não conseguiu subjugar, representou um ótimo ponto de partida. Todavia, essa premissa se expande de forma magnífica, ao passo que ao longo da caçada descemos fundo na psiqué de ambos, caça e caçador, Peter Parker e Kraven. Este guarda enorme rancor da derrocada de sua família, de origem russa, nos Estados Unidos. Em sua mente doentia, porém obstinada, personifica a fonte de todas as suas angústia e frustrações no Homem-Aranha. Este, por sua vez, se agarra na lembrança de Mary Jane para emergir (em sentido metafórico e literal) diante da provação imposta por Kraven.

A propósito, a Última Caçada de Kraven se desenrolou ao longo das três revistas do Homem-Aranha que saíam na época: Web of Spider-Man, The Spectacular Spider-Man e Amazing Spider-Man. A ideia de entrelaçar os títulos se deu porque a Marvel precisava ocupar as três revistas durante o casamento de Peter Parker e Mary Jane que ocorreu em Amazing Spider-Man Annual #14. Ou seja, pode-se considerar que este arco foi a primeira aventura de Peter pós-casamento.

Também conhecida pelo nome Terrível Simetria (em alusão ao poema O Tigre de William Blake), o arco também tem Rattus como vilão, que apesar de ter pouca projeção dentro da famosa galeria de vilões do Aranha, ganha aqui um elemento humano inesperado. Numa primeira impressão, ele parecia ser mera massa de manobra para os planos de Kraven, mas ao final, ganhou um componente trágico. Essa é a principal matéria-prima da história: a tragédia. Através dela, ninguém passa incólume: nem Kraven, nem Peter, nem Rattus e, certamente, nem o leitor.

O Espetacular Homem-Aranha: A Última Caçada de Kraven
Web of Spider-Man #31-32, Peter Parker: The Spectacular Spider-Man #131-132 e Amazing Spider-Man #293-294
**** 8,5
Marvel | outubro e novembro de 1987
Salvat | novembro de 2013
Roteiro: J. M. DeMatteis
Arte: Mike Zeck
Arte-final: Bob McLeod