sábado, 25 de outubro de 2014

O fascinante colorido estético e emocional de Julie Maroh

Julie Maroh, O Azul é a Cor Mais Quente, Martins Fontes

A história das adaptações do HQ para o cinema ganhou mais um capítulo de sucesso com Azul é a Cor Mais Quente, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2013. Felizmente, o sucesso do filme cacifou a obra para que fosse lançada a sua versão em quadrinhos no Brasil. A história de amor entre Clémmentine e Emma não se destaca somente pelo fato de ser um relacionamento homoafetivo. Antes de tudo, é uma história de amor. Um romance que não cai no erro de alguns congêneres de apelar ao sentimentalismo barato.

Azul é a Cor Mais Quente conta a história de Clémentine, garota de 15 anos que subitamente se vê fortemente atraída por uma desconhecida de olhos e cabelos azuis. A obra explora essa fase de autoconhecimento da sexualidade e vai além. A intolerância contra os homossexuais representada pelos pais e pelos amigos é abordada de maneira franca, sem excessos. Muito menos cai na armadilha do ativismo panfletário.

Julie Maroh, que é uma ativista engajada pelos direitos homoafetivos, foi muito habilidosa ao abordar o conflito dentro do universo de Clémentine, de forma que colocou apenas de passagem o engajamento de Emma nos protestos de rua, bem como a sua desilusão com a eleição do conservadpr Nicolás Sarkozy. Essa abordagem mais intimista valorizou a obra e não desviou o seu foco.

Maroh não apenas escreveu uma boa história, sua arte pintada também é digna de elogios. A base de aquerelas e guaches, a arte também é elemento importante na apreensão da obra. Basta notar a paleta de cores empregada. O tom monocromático presente no início passou aos poucos a dar espaço para a cor com o aparecimento do azul dos cabelos de Emma. Como sugere o título, o azul queimou a subconsciente de Clémentine irremediavelmente. O mundo ao redor dela somente começou a ganhar cor a partir do momento em que ela se aceitou e se permitiu amar Emma.

Finalmente, vale mencionar o ótimo trabalho da Martins Fontes, que além de caprichar no acabamento gráfico, teve a feliz escolha de preservar as onomatopéias em francês para não alterar a arte de Maroh. As expressões relevantes foram traduzidas em notas de rodapé.

Azul é a Cor Mais Quente
Le Bleu est une Couleur Chaude
**** 8,5
Glénat | 2010
Martins Fontes | 2013
Roteiro e arte: Julie Maroh

sábado, 18 de outubro de 2014

Conclusão de "Gotham City Contra o Crime" é amargo

Gotham Central, Vol. 6, Panini

O que esperar do final de Gotham City Contra Crime? Se alguém apostou em um final amargo, acertou. Mas não podia ser diferente, sobretudo se considerar que se trata de uma história centrada na última célula de ética dentro da polícia de Gotham, composta quase só de policiais corruptos. Gotham é uma cidade extremamente injusta, violenta, que exige o máximo da sanidade de seus habitantes. Manter a retidão moral nesse meio é um desafio.

Talvez por isso a série não apele em nenhum momento para personagens unidimensionais, de orientação maniqueísta. Aqui tudo é cinza. Até mesmo os policiais notadamente corruptos tiveram o sua voz dentro da série, como se mostrou na edição que abriu o último encadernado (#32). No decorrer de toda a série, vemos os detetives Unidade de Crimes Hediondos continuamente submetidos a uma realidade contraditória, opressora, onde os limites éticos nunca foram bem estabelecidos. Resta a eles a convicção de fazer bem o seu serviço.

O que vimos no arco que fecha a série é o estreitamento maior desses limites entre o certo e o errado, de modo que cumprir a lei não mais soluciona problema algum, servindo para perpetuar a injustiça e deixando um amargor nos corações de todos. Trabalhar com conceitos tão abstratos, ainda mais num quadrinho policial, é um feito extraordinário. Poucas vezes vi personagens tão bem explorados e desenvolvidos nos quadrinhos. 

Desde o início, a série não se omitiu em tocar em assuntos polêmicos, algo inimaginável na DC atual. Poucas vezes vi tanta liberdade criativa dentro da editora. Por isso, a decisão de Rucka em encerrar a série na edição 40 (a essa altura, tanto Ed Brubaker quanto Michael Lark já haviam deixado a DC) é elogiável, evitando que o seu prolongamento desnaturasse a obra como um todo.

Depois de Gotham City Contra o Crime, poucas vezes a DC foi tão feliz com um título, talvez o melhor da década passada.

Gotham City Contra o Crime - Volume 6
Gotham Central #32-40
***** 9,5
DC | agosto de 2005 a abril de 2006
Panini | dezembro de 2007
Roteiro: Greg Rucka e Ed Brubaker
Arte: Kano, Stefano Gaudiano e Steve Lieber
Cores: Lee Loughridge

sábado, 11 de outubro de 2014

Coleção de Graphic Novels Marvel da Salvat começa com obra de gosto duvidoso

Coleção Oficial Graphic Novels Marvel, Homem-Aranha - De Volta ao Lar

É certo que uma coleção que possui a pretensão de compilar o melhor da Marvel não começa lá muito bem ao escolher O Espetacular Homem-Aranha - De Volta ao Lar como edição de estréia. Não é que seja um arco ruim, mas é que falta a ela aquela grandiosidade, e até mesmo relevância, que possui várias histórias do herói.

E olha que eu devo admitir que a fase do J. M. Straczynski e John Romita Jr. evoca um cero saudosismo de minha parte. Foi a partir dela que comecei a ler as histórias do Homem-Aranha, na década passada, logo no início de sua publicação pela Panini (após a Marvel deixar a Abril). A história é divertida e possui bastante ação, mas é só.  

O vilão criado por Straczynski não possui nenhum charme e possui uma origem, além de mal explicada, estapafúrdia. Ele só serve mesmo para dar uma canseira no Homem-Aranha enquanto ele reflete, bem ao estilo, sobre a sua vida. Ele busca adicionar outros elementos à origem do herói ao colocar em dúvida se foi a aranha ou a radiação que deu os poderes ao herói. Mas, como se provou ao final do arco, tudo não passou de uma tentativa vazia de reconstruir as bases do personagem, que ao final se mostrou irreleRovante.

Os textos de apoio que acompanham o encadernado afirmam que a passagem de Straczynski pelo título foi a de renascimento do personagem após a terrível fase do final dos anos 90, façanha que, deve-se admitir, não deve ter sido muito difícil alcançar. 

A arte de John Romita Jr., apesar de não vir me agradando atualmente (vide o seu atual trabalho em Superman), ela é bastante dinâmica, o que privilegia a narrativa visual. Seu maior problema é desenhar rostos, que parecem ser sempre os mesmos, variando apenas em alguns detalhes.

O Espetacular Homem-Aranha: De Volta ao Lar
The Amazing Spider Man #30-35
*** 6,0
Marvel | 2001
Salvat | abril de 2013
Roteiro: J. Michael Straczynskyi
Arte: John Romita Jr.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Em Blues, Crumb coloca sua arte como expressão de seu amor pela música

Robert Crumb, Conrad, Blues

A temática musical é um elemento presente na obra de Robert Crumb. Em diversos trabalhos, mesmo aqueles não diretamente relacionadas ao gênero, é possível constatar o fascínio que o autor possui pela música, principalmente o blues do começo do século 20. Blues vem reunir parte dessa obra de Crumb

A edição brasileira reúne tantos os quadrinhos produzidos sobre o tema, quanto as artes feitas por Crumb para capas de LP's, cartazes de concertos, panfletos etc. O resultado dessa coletânea resultou numa das melhores obras sobre esse gênero musical, com uma abordagem bem diferente: a dos quadrinhos. Crumb procurou captar a aura quase artesanal oriunda dos primeiros anos do blues, conhecendo um pouco de sua origem, significado e influências sobre a cultura americana.

A pretensão da edição é exatamente essa: ser uma espécie de volume definitivo sobre os trabalhos de Crumb sobre música. Em todas as histórias e artes que compõem o encadernado podemos notar o envolvimento do autor com a música que, como ele próprio admite no posfácio da edição, é uma das coisas que lhe mais dão prazer, mais, inclusive, do que desenhar.

Aliás, o posfácio da edição é de leitura é esclarecedora. Nela, Crumb revela, entre outras coisas, a origem da ideia de desenhar Uma Breve História da América - sequência de desenhos que retratam a evolução de uma paisagem natural (cheio de colinas e árvores) até a sua completa urbanização (cheia de prédios e concreto). É evidente o ressentimento de Crumb quanto ao abandono de certas tradições do campo, sobretudo quanto ao country blues e do folk.

A melhor sequência do álbum está na história As Velhas Canções São as Melhores, em que ele desenha uma espécie de storyboard de algumas das música preferidas do autor. As canções escolhidas foram On The Street Where You LiveMy GuyPurple Haze e When You Go A Courtin, todas elas soberbamente ilustradas por desenhos hilários (propositalmente grotescos e exagerados), fazendo de sua leitura uma experiência deliciosa.

Blues
**** 8,0
Conrad | dezembro de 2004
Roteiro e Arte: Robert Crumb

sábado, 4 de outubro de 2014

Fonte de inspiração de Grant Morrison, histórias bizarras de Batman são reunidas em encadernado


Todo mundo sabe que Grant Morrison, antes de ser um ótimo roteirista, é um grande estudioso dos quadrinhos de super-heróis. É só reparar na grandiosa e recém-lançada saga Multiversity, em que faz um detalhado mapeamento de todos os 52 universos paralelos da DC Comics. Para escrever as suas histórias durante sua frutífera passagem pelo título do Batman, Morrison foi se inspirar nas primeiras histórias do herói, principalmente aquelas escritas na década de 50.

De fato, parece que Grant Morrison se baseou muito nessas histórias durante o seu tempo a frente das revistas do Homem-Morcego. Conceitos como os Batmen de outros países, que formaram o Clube de Heróis, foram cruciais para construir sua história em Corporação Batman. Quem leu Batman - Descanse em Paz vai descobrir a origem daquele Batman de Zur-En-Arrh e do bizarro Batmirim. São referências que desconhecia até a leitura dessas histórias.

No critério bizarrice, nada supera a história "Criatura Batman", em que o homem-morcego se transforma numa espécie de Gorila raivoso após ser exposto a um espécie de radiação, que era antes usada em animais para que eles roubem bancos (??). Nessa história, acontece de tudo, até uma clara referência ao filme King Kong, quando o gorila-Batman-gigante sobe ao topo de um arranha céu e começa a brigar com aviões. Enfim, um dos comics mais estranhos que eu já li.

É curioso também descobrir que, apesar de todo o mistério que ainda cerca a morte dos pais de Bruce Wayne, o crime já foi solucionado em Detective Comics #235 de 1955. A morte dos pais foi uma represália do criminoso Lew Moxon, que contratou um capanga qualquer para eliminá-los. Logicamente, desde então a versão dessa história mudou diversas vezes, praticamente se abandonando a versão dos anos 50, ainda mais depois da vindoura Crise das Infinitas Terras.

O mais curioso desse volume é reparar como o estilo das histórias mudaram desde aqueles tempos. O Batman de Bill Finger, que roteiriza quase todas as histórias, é de um super-herói feliz, realizado e muito mais próximo de Robin que hoje em dia.

As histórias preparadas para esse encadernado entram fácil nas mais estranhas (e também nas mais ridículas) já feitas. Mas isso analisado, claro, sob um olhar moderno, alheio ao papel que os quadrinhos mainstream tinham no meio do século, muito mais dirigido ao público infantil do que ao jovem/adulto e sob forte regulamentação do recém-criado Comics Code Authority (criado em 1954)

Batman - Arquivo de Casos Inexplicáveis
Batman #65, 86, 112, 113, 134, 156 e 162; Detective Comics #215, 235, 247 e 267; World's Finest Comics #89
*** 6,5
DC | 1951, 1954, 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1960, 1963 e 1964
Panini | setembro de 2013
Roteiro: Bill Finger, France Herron e Edmond Hamilton
Arte: Sheldon Moldoff, Dick Sprang e outros.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Concebido para as novas gerações, Terra Um apresenta Superman carrancudo


A história você conhece, mas volta e meia ela é recontada para as novas gerações, ainda mais num momento em que o principal objetivo das editoras de quadrinhos é renovar o seu público leitor. A proposta da iniciativa é exatamente essa: atualizar e redefinir as bases sobre o qual se sustenta uma das histórias mais icônicas dos quadrinhos, a origem de Superman.

Em Terra Um acompanhamos todos os momentos importantes de Clark Kent, desde a fase de descoberta ao lado de seus pais em Smallville, até seus primeiros desafios em Metrópolis. A história começa quando Clark chegando em Metrópolis, mas, em forma de flashbacks, vemos a chegada dele na Terra, a forma como seus pais adotivos o encontraram, como seu uniforme foi tecido, enfim, a trama se valeu da já batida intercalação de eventos passados e presentes.

Ainda que conte essa história respeitando bastante a mitologia de Superman, não deixando de mencionar várias passagens clássicas de sua origem, mas Straczynski não deixou de imprimir sua proposta pessoal. Aliás, são precisamente essas as passagens mais frágeis e questionáveis da obra. Além disso, a dupla criativa passou uma aura extremamente equivocada ao personagem. Parece-me totalmente incrível o fato de Clark, ainda que esteja povoado de dúvidas e angústia de uma nova vida, passar toda a história com um semblante carregado. Estão querendo passar um ar de Batman ao Superman.

O roteiro peca ao inovar e trazer para a origem do herói um supervilão pífio, criado especialmente para o título. Ele simplesmente não representa uma ameaça. Isso praticamente fere de morte um dos momentos mais importantes da obra, se não ela por completo.

A história ganhou uma continuação em outubro de 2012 e o terceiro volume está programado para sair em fevereiro de 2015, todos roteirizados por Straczynski.

Superman: Terra Um
Superman: Earth One
*** 6,0
DC | novembro de 2010
Panini | dezembro de 2012
Roteiro: J. Michael Staczynski
Arte: Shane Davis
Arte-Final: Sandra Hope
Cores: Barbara Ciardo